Os brinquedos
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E me fiz fabricante de brinquedos... Então usei as tintas coloridas Das emoções talvez desconhecidas, Dando aparência e cor aos meus segredos.
Depois eu fabriquei bonecos raros, Vestidos das mais ricas fantasias, Bordados de ilusões, bonecos caros, Feitos na fôrma dos felizes dias.
Também fiz uns brinquedos esquisitos, Outros feios até, sem forma e cor, Feitos dos meus mais íntimos conflitos
E embebido que fui nestes folguedos, Convenci-me, por fim, que era inventor E me fiz fabricante de brinquedos.
TÁ QUENTE OU FRIO ?
- Tá quente ou frio? E Maria respondia: «Tá quente!» E eu achava o que ela escondia de repente.
Era boa a brincadeira do meu tempo de menino. Mas o Destino quis brincar de outra maneira. E escondeu a felicidade, bem escondida, num lugar ignorado da minha vida.
- Tá quente ou frio? no entanto, por mais que assim a procure por tantos anos a fio, escuto sempre o Destino a responder-me, implacável: - Tá frio!
MENINO POBRE
Tu és um sonho de menino pobre Na vitrine do Mundo; este brinquedo Que a minha vista de volúpia cobre, Sem que o possa alcançar do meu degredo
O vidro deste mundo nos separa E eu te contemplo no infantil receio. E tu não vês, bem sei, és coisa cara, O rosto triste do menino feio.
Não ter o teu amor não me doe tanto, Pois ver-te, não há nada mais divino Ao meu olhar escravo ao teu encanto.
Mas o que doe é conhecer que um dia Alguém te levará do meu Destino E esta Vitrine ficará vazia.
POEMA TRISTE
A tragédia anônima das folhas amarelas e secas na calçada... Lágrimas velhas desta árvore velha. . . '
E o meu olhar está verde, carregado de lágrimas verdes, até que o sol as queime, até que o vento as carregue.
Enfim... Só restarão depois somente folhas, folhas somente secas e amarelas no calçamento do meu rosto triste.
A BILAC
Bilac amigo, só agora entendo O que as estrelas dizem lá no espaço. E muitas vezes, diminuindo o passo, Fico a escutar o que estarão dizendo.
Falam de amor. E se o olhar volvendo, Contemplo-as todas lá no azul regaço, Vejo-as sorrirem no seu brilho, vendo A minha inquietação, meu embaraço.
Pois certa noite, do meu quarto, atento, Escutei vozes vindas da amplidão, Qual se trazidas fossem pelo vento.
Maravilhado, corro e abro a janela. E a noite toda ouvi a multidão De estrelas a dizer o nome dela.
ELA E A CANÇÃO
Teu corpo se entranhou na melodia E te fizeste em música de ausência. Teu gesto então ficou na inconsistência Da Canção foliã que outrora ouvia.
E se te quero ver, basta um arpejo, Uma nota sequer e, então, maviosa, Vejo-te surgir em sons na milagrosa Orquestração sonora de um desejo.
Ficaste na Canção e eu te adivinho Maravilhosamente musicada Em acordes de amor e de carinho.
E se firo uma nota, uma sequer, Vens de saudade toda fantasiada, Num misto de Canção e de Mulher.
SONETO DAS MÃOS AUSENTES
Ausência de tuas mãos nos meus sentidos Presença de outras horas já passadas, Onde estas mãos plasmaram madrugadas, Constelando-as de sonhos esquecidos.
Presença dos momentos mais queridos Na ausência destas mãos, refugiadas No silêncio das horas relembradas E nos beijos de amor acontecidos.
Ausência de tuas mãos em meus momentos. Agitação de mãos pelos espaços, Como invisíveis sinos sonolentos.
Presença destas mãos no instante exato Em que meu ser te acorda os leves traços, Nos sonhos de carícias do meu tato.
CALVÁRIO
... E com um beijo ela vendeu minh'alma, Entregando-a sem dó, ao Desatino. E só por trinta moedas meu destino Ela vendeu indiferente e calma.
E partiu. . . e se foi. . . nas mãos, no entanto, Sentiu o peso das moedas vis E ela quis voltar, lavar com pranto O assassinato de um viver feliz.
Mas encontrou minh'alma sobre a cruz. No topo do Calvário, prisioneira, Já morta, da tardinha à meia luz,
E exasperada, qual se Judas fosse, Reproduziu o drama da figueira E no próprio Remorso ela enforcou-se.
ALELUIA
Mas na Aleluia, enfim, dos sonhos mortos A minh’alma se ergueu da tumba fria. E com olhares meigos e absortos De novo contemplou a luz do dia.
E a Saudade rasgou seu roxo manto. E o templo do Amor tirou seu luto. Um sorriso feliz matou o pranto E a tristeza morreu num só minuto.
Aleluia! Aleluia! Ao longe vinha A mensagem de fé de uma esperança, Pois que minh’alma ressurgido tinha.
E do Judas traidor resta a memória Do crime hediondo que minh’alma lança Do Calvário da Dor ao Céu da Glória.
SOMBRA NO RIO
Não sei por que, mas tenho a impressão de que ficarás na minha vida como uma sombra à tona de um rio cujas águas, no seu passar contínuo, jamais arrastam.
SONETO DA TARDE
A tarde era um desejo cor de rosa E as horas transcorriam nos teus braços. Tinhas no corpo os indecisos traços Da tarde que murchava langorosa.
Vinhas, por certo, errante, dos espaços, Sem presença na tarde luminosa, Somente luz de ocaso, vaporosa, Sem o calor de febre dos mormaços.
Vazia estava a sala e então teus dedos Tocaram no piano uma saudade, A mais doce canção dos teus segredos.
Foi quando te entendi. A noite vinha. Tu ficaste nas luzes da cidade, Já que morreste em sombras na tardinha.
VAMPIRO
Notivagando pela vida inteira Tentas fugir da luz como o vampiro, Buscando a negra noite em teu retiro, Na mais completa e lúgubre cegueira.
Buscas achar no teu noturno giro Restos de amor no corpo da rameira, Tentando dar ao teu triste suspiro Toda a expressão de uma ânsia verdadeira
E nestas rondas, pelas horas mortas, Vives da Noite, pelas negras portas, Na tua vida tão vazia e triste.
Inútil vagarás triste e sozinho E morrerás, um dia, no caminho, Sem contemplar a luz que nunca viste.
A CAÇADA
A trompa da Saudade, bem distante, Ecoou na floresta da Memória. Era um gemido triste de vitória, Num grito de derrota, delirante.
A Caçada, afinal! Naquele instante Havia no ar uma visão de glória. A Caçada, afinal! Louca e vibrante Ao Tempo que fugiu da minha História. ..
Tropel dos Dias. . . galopar dos Anos. . . Sonhos. . . Tristezas. . . frágeis Alegrias, Juntos no pó dos mesmos Desenganos.
E ao longe... ao longe... num gemer plangente, A soluçar por entre as ramarias, A trompa da Saudade eternamente.
SONETO DO SONO
III - Última festa
E pela última vez fechou-se a porta. E a morte - este porteiro - erguendo a chave, Jogou-a para longe, austera e grave, E cerrou para sempre o olhar da morta.
Não mais o sol da Vida penetrando Pelas portas das pálpebras fechadas, O delírio dos Sonhos terminando Ante o esplendor das salas aclaradas.
Não mais... não mais... a morta eternamente Ficará na Retina, enclausurada, Sem retornar ao mundo, novamente.
E nela ficará prisioneira Da traição do Sono, deslumbrada, A sonhar; mesmo morta, a vida inteira.
PERPETUAÇÃO
O nosso amor, enfim, é milenar, Pois te conheço há muito e esta afeição Tem o sabor de uma ressurreição, Antiga como o céu e como o mar.
Conheço o teu carinho remoçado, Pintura antiga com retoques novos, E embora traços herdes de outros povos Conservas todo o ser unificado.
Das formas que tomamos noutras eras Não consegues lembrar-te e nem consigo Destas reencarnações noutras esferas.
Sei que mudei. Mudaste. Todavia, Existe em nós aquele amor antigo Que noutros tempos entre nós havia.
ANTECIPAÇÃO
Morreste amanhã e eu não pude te chorar porque hoje inda não soube. Somente ontem ficarás comigo, porque hoje de mim estais ausente e amanhã não posso te salvar.
A METAMORFOSE
Os lábios virgens se fizeram rosas e abriram numa tarde de verão a procura dos beijos transviados pelo instante jamais acontecido.
E o mistério da noite sucedeu... Ò, rosas, que eram lábios e eram virgens! Tinham o frescor das coisas desvendadas, tinham beijos de orvalho nas corolas...
A DERRUBADA
Na invasão triunfal dos edifícios, senti o grito secular das ruas, dos velhos casarões e das esquinas. A gula do urbanismo devorando a tristeza das ruas obscuras, o romantismo arcaico das janelas dos velhos sobradões coloniais, e a revolta calada das igrejas ante a grandeza dos arranha-céus. Senti o crime do progresso abrindo a virgindade histórica das ruas e o seu machado inútil abatendo os carvalhos senis da tradição. E. antes de tudo pressenti a angústia das lembranças que habitam nestas ruas ante a invasão dos bárbaros de concreto, e uma impressão de tudo diferente: de viver entre estranhos noutra pátria, de viver num presente sem passado.
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