Prêmio de poesia “Lyra e César”

Discurso, em 26 de janeiro de 1996, na sessão solene da Academia Pernambucana de Letras, em nome de todos os demais premiados.
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Prêmio de poesia “Lyra e César”, (1995) concedido pela Academia Pernambucana de Letras, ao seu livro “O Ser, o Agora, o Sempre”.

ENCONTRO COM OS IMORTAIS – Valter da Rosa Borges

 

Investido da prerrogativa de agradecer, em nome dos laureados com os prêmios de literatura de 1995, à Academia Pernambucana de Letras, assim como aos patrocinadores dos concursos, sinto-me, ao mesmo tempo, honrado e emocionado por esta designação.

Embora avesso, por formação, às filigranas da retórica e ao tom formal do discurso pertinente em tais solenidades, prometo, em preliminar, brevidade e concisão no exercício do agradecimento.

Não militante, porém observador atento das lides literárias do nosso Estado, não poderia deixar de registrar, nesta oportunidade, o papel histórico e de inegável liderança da Academia Pernambucana de Letras na condução da vida intelectual de Pernambuco, numa invejável demonstração de coerência programática, consubstanciada no zelo de seus postulados tradicionais. Esta longeva e sólida fidelidade dos valores culturais que completa 95 anos de idade é o atestado de vitalidade de uma instituição que soube, com invejável pertinácia, preservar-se, sempre incólume, das insídias e perfídias do tempo.

Não se pode fugir ao truísmo denunciatório de uma sociedade em acelerada transição que mais se assemelha, notadamente no ocidente, ao processo entrópico de uma civilização em rumo equivocado, embevecida, no entanto, pelo brilho hipnótico das lantejoulas tecnológicas. A bem da verdade, de tanto  cotejar a filosofia consumista, na orgia aquisitiva de bens e de valores transitórios, o homem perdeu o seu próprio endereço existencial, acometido de colapso amnésico de sua identidade transcendental.

Se, de um lado, o progresso científico e as comodidades tecnológicas aceleram, cada vez mais, o processo de irreversível planetarização, denominado por McLuhan de “aldeia global”, numa interação perigosamente homogeneizante das culturas mais díspares, por outro lado o espírito humano vem sofrendo um persistente abastardamento de seu ideário humanístico pelas facécias e falácias da mídia enlouquecida, na promoção da vulgaridade, do deboche, do estímulo à criminalidade, onde o filão do escândalo constitui a ratio essendi do marronismo jornalístico.

Preservar-se incólume do contágio mediocrizante como cidadela inexpugnável do sanitarismo cultural é uma virtude apenas encontrável em veneráveis instituições – entre as quais se destaca a Academia Pernambucana de Letras – cuja missão consiste na custódia dos valores excelsos do espírito humano.

A literatura não é uma atividade lúdica ou passatempo diletante, mas o exercício da criatividade comprometida com a dinâmica existencial. Não é apenas imitação, mas simulação das complexidades subjetivas afetando as relações sociais. Imitação é a replicação de situações preexistentes e, em tais circunstâncias, se diz que a arte imita a vida. Simulação é a experimentação de possibilidades tal como ocorre nos jogos de computação, e, neste caso, se espera que a vida imite a arte. O escritor, sob esta óptica, é o cientista empírico do que é e também do que pode ser, lidando, por conseguinte, não só com a realidade fática, mas ainda com a realidade virtual. O escritor é o seu próprio laboratório, pois ele é a matéria-prima de onde se extraem as complexidades da natureza humana. E as academias literárias constituem o referencial físico do reconhecimento comunitário de seu trabalho, simbolicamente representado no convívio de seus pares. O escritor é uma espécie de médium do milenar espírito humano, em todos os tempos e em todos os lugares. Por isso, há romances e poesias que são oráculos, extraídos das fendas do tempo, onde se assenta a trípode pitônica da criatividade estética.

Cuido, porém, que conquanto no convívio de imortais, urge estar atento às solicitações inadiáveis do temporal, o que me leva à compulsão do término da oratória. Reitero em meu nome e em nome dos demais laureados o nosso agradecimento à Academia Pernambucana de Letras pela premiação dos nossos trabalhos e aos patrocinadores dos concursos pelo apoio material do evento, na esperança de que a atividade intelectual se transforme na alavanca arquimediana capaz de mover, mas, principalmente, de direcionar o mundo para um futuro promissor.

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