1950

Meu irmão Fernando me transferiu para o Ginásio Porto Carreiro.

 

A minha trajetória intelectual começou em 1950, quando, influenciado pelos livros da literatura brasileira e portuguesa, que costumava ler, tive a ideia de criar uma agremiação literária. Eu era aluno do Ginásio Porto Carreiro, então dirigido pelo Prof. Paulino de Andrade, membro da Academia Pernambucana de Letras. Assim, certa tarde, juntamente com os colegas da mesma turma, Walter José Dantas e Tibério da Silva Rocha, reunimo-nos na casa do primeiro, à Rua de Hortas, 182, no bairro de São José, e fundamos a instituição, cuja breve história está relatada no meu livro Grêmio Cultural Joaquim Nabuco.

O evento foi registrado no Histórico do seu Livro de Atos, conforme se vê:

“No dia 2 de dezembro de 1950, na capital do estado de Pernambuco, foi fundado o Grêmio “Joaquim Nabuco”, para melhor orientar modestamente seus sóci­os. E teve como fundador: Valter Rosa Borges, um discí­pulo do Colégio Porto Carreiro, um dos mais conceitua­dos educandários desta capital. A princípio o Grêmio contava com três sócios: Rosa Borges, Walter Dantas e Tibério Rocha, atualmente temos seis, poucos, porém úteis a sociedade. No dia 12 de dezembro de 1950, foi instituída a primeira diretoria, que consta dos seguintes cargos: Presidente, Vice-presidente, Tezoureiro, Secretá­rio; sendo eleitos diretores mediante sorteio, Tibério Ro­cha como presidente, Rosa Borges como Vice- Presidente, Valter Dantas como Secretário e João Antô­nio como Tezoureiro.”

Tibério da Silva Rocha, num mini-artigo denomi­nado “Primeiro Trabalho” e com data de 2 de dezembro de 1950, assim descreve esta data memorável:

“Estamos em um sábado de verão. Dia 2 de de­zembro de 1950. É um dia ansiosamente esperado por três rapazes que desejam inaugurar uma agremiação para orientá-los nos estudos escolares, e também apri­morar sua débil literatura. São eles ditosos discípulos do 3 o ano ginasial do Colégio Porto Carreiro. Trata-se do Valter da Rosa Borges, estudante denodado, entusiasta perfeito de iniciativas e que sem dúvida renomará o valor do nosso Grêmio; o outro é Walter Dantas futuro ostensi­vo, capacidade elevada e carácter impassível. Ainda in­tegra esta corporação “mignon”, este mal articulador de palavras cujo único mérito é prestar seus esforços a uma grande causa.

Organizaremos trabalhos escritos sobre assuntos diversos em forma de crônicas, contos, ensaios e poe­sias. Realizaremos visitas às bibliotecas públicas garim­pando as preciosidades que constituem as jazidas da literatura.

Faremos debates sôbre temas de História e Geografia. Quer realizando discursos improvisados ou ainda conhecendo as ideias de escritores patrícios ou estrangeiros, estaremos sempre aprendendo. E apren­dendo, estaremos evoluindo. Evoluindo estaremos ven­cendo. Realizaremos uma jornada de esforços sobrena­turais, se for preciso, contanto que, amanhã esteja fixado nosso lugar na sociedade.

Bem, caros colegas. Encerro estes medíocres vo­cábulos, prometendo continuar com esta secção que se intitula “CRONIQUETA SEMANAL”.

Até a próxima semana, se Deus quiser.

 

O Prof. Paulo Baptista de Andrade, mais conhecido literari­amente como Paulino de Andrade, diretor do Colégio Porto Carreiro e membro da Academia Pernambucana de Letras, foi nomeado Presidente Honorário da agremia­ção, como reconhecimento pelo grande estímulo dado ao GCJN.

A década de 50 foi a época de ouro das institui­ções literárias do Recife. Além do Grêmio Cultural Joa­quim Nabuco, existiam o Grêmio Cultural José de Alen­car, a Associação dos Ex-Alunos da Escola Rui Barbosa, o Grêmio Cultural Duque de Caxias, a União Estudantil Castro Alves, o Grêmio Literário Capibaribe, o Grêmio Cultural Jackson de Figueiredo (do Colégio Nóbrega), o Grêmio Cultural Augusto dos Anjos (do Colégio Estadual de Pernambuco), Clube Lítero-Esportivo Barão de Mauá, o Clube do Soneto, a Associação Mafra de Cultura e Atletismo (da extinta Casa Bancária Magalhães Franco) e a Academia Mozart. Em Barreiros: Núcleo Literário Ma­chado de Assis. Em Palmares, a Academia de Letras, fundada pelas alunas do Colégio N.S. de Lourdes e com o apoio do referido estabelecimento de ensino.

 

Durante os seus oito anos de atividade (de 1950 a 1958), o GCJN foi constituído de sócios fundadores, efe­tivos e benfeitores, entre os quais posso relembrar, além dos fundadores já mencionados, João Antônio de Vas­concelos, Cremilson Soares da Silva, Genilson Soares da Silva, Wilton Andrade de Souza, Roberto Coutinho da Silva, Amílcar Dória Matos, Abílio Gomes Guerra, Odir Cipriano da Costa, Antônio da Costa Pinto Júnior, José Carlos Poncell Neto, José Aurélio Farias, Jarbas de Holanda Pereira, Austregésilo Gomes Espíndola, Eros Jorge de Souza, Adeildo Rosa de Lima, Roberto Nogueira de Barros e Silva, Lelino Manzela dos Santos, Ivan Fernandes de Lima, Vilma Kruse, Zilda Rousseau Webster, Nilson Rocha Lins, José Quintino, Dércio Pessoa, Agildo Bezerra Guimarães, Ary Dias Caminha, Wilson Vilas Boas, Djalma Freire Borges, Diógenes de Lima e Souza, Eliú Bezerra de Queiroz, Jurandir Clementino de Souza, José Ramalho de Souza, Edgar Rodrigues Viana, Admilson Alves Feitosa, José Marinho de Oliveira, Raimundo dos Santos, Mauro Carneiro Assis do Rego, Agenor Leal da Costa, Luiz Mendonça, Luiz Tojal, Fausto de Lima Nogueira, Julião Carvalho da Silva, conhecido por Justo Carvalho, Denisar Santos Galvão, Zélia Cardim, Múcio Scévola da Costa, Ednaldo Bezerra de Lucena, Amaury Renaux Leite, Ân­gelo Santos de Jesus Pereira, José Basto Filho, José Ribamar Lopes, Enoque Mendes Saraiva, Wellington Virgolino, Mauro Gomes Pedrosa, Waldemar Amaro Ferreira, Aluízio Monteiro, Bernadete Galindo, Luiz Gomes de Freitas e Carlos Eduardo Santos.

 

Os sócios do GCJN eram oriundos da classe mé­dia e da classe pobre, uns morando em casas conjuga­das, outros em pensões familiares e outros ainda em quartos de fundo de quintal ou em dependências de ins­tituição religiosa. Somente uma riqueza nos unia: a cons­ciência de que éramos condôminos do imponderável pa­trimônio que para nós representava a nossa instituição e o nosso bairro.

 

As primeiras reuniões do Grêmio ocorreram na casa de Walter José Dantas, à Rua de Hortas, 182, embora semanas depois fossem transferidas, em caráter definiti­vo, para a minha residência à Rua Imperial, 415.

As reuniões eram semanais e se reali­zavam na sala da frente da minha casa, que ficava de­fronte da Praça Sérgio Loreto e do Grupo Esco­lar Siqueira Campos, onde estudei. Inicialmente, ocorriam aos domingos pela manhã, passando posteriormente para os sábados à noite. Em seguida foram transferidas para as quartas e sextas à noite. Nova mudança para as quintas à noite. E, finalmente, o seu retorno definitivo para os sábados à noite.

As janelas da sala onde ocorriam as reuniões es­tavam sempre abertas para a rua e, isso, não raro, atraía a atenção dos transeuntes, alguns dos quais, mais curio­sos, ficavam assistindo, do lado de fora, a apresentação dos trabalhos.

Na parede, o retrato de Joaquim Nabuco, desenhado pelo gremista Cremilson Soares. Na mesa: Wilton de Souza, Valter da Rosa Borges, Luiz Tojal, Luiz Mendonça e Justo Carvalho.

 

Em maio, foi publicado o primeiro jornal do GCJN, feito artesanalmente, no sótão da minha casa, e intitulado “O Literato”. No entanto, dadas às dificuldades de sua precária im­pressão, teve uma vida curta. Infelizmente, dele não existe qualquer exemplar. Este jornal era impresso em gelatina: daí a sua preca­riedade.

 

O GCJN era frequentemente visitado por repre­sentantes de outras associações congêneres, principal­mente a Associação dos Ex-Alunos da Escola Rui Barbo­sa e o Grêmio Cultural Duque de Caxias, como também participava das reuniões culturais daquelas instituições, num intercâmbio cultural permanente e proveitoso.

Wilton de Souza, além de gremista, representava a Sociedade de Arte Moderna do Recife nas reuniões do GCJN.

 

Meu pai, Olímpio Sátiro da Rosa Borges, também era um admirador entusiasta da moçada do GCJN e, não raro, era visto, no corredor, próximo à porta da sala onde aconteciam as reuniões, acompanhando com atenção o desenrolar dos trabalhos.

Seria supremamente injusto não mencionar os nomes de três mulheres extraordinárias que sempre de­ram apoio incondicional aos sonhos literários de seus filhos: Dona Nazareth, mãe de Amílcar Dória Matos, Dona Odete, mãe de João Antônio Vasconcelos, e Maria Fernandina, minha mãe e guardiã do templo que era, para nós, a casa da rua Imperial, 415.

 

Dois dos gremistas, coincidentemente poetas, passaram pela mesma provação que os afastou, durante um longo período, das reuniões do GCJN: Eros Jorge de Souza e José Aurélio Farias contraíram tuberculose. Do­ença romântica do século passado, ela ensejou a de­monstração do clima de fraternidade entre os gremistas. Eros e José Aurélio eram visitados quase que diaria­mente pelos companheiros do GCJN. Eros, em sua resi­dência, no longínquo bairro de Tejipió e José Aurélio no Hospital do Sancho. Apesar da gravidade da doença, os poetas não perderam o oti­mismo e o entusiástico prazer pela vida. Por isso, ficaram completamente curados e retornaram vitoriosos às reuni­ões do GCJN.

 

As comemorações de aniversário do GCJN eram realizadas costumeiramente na sua sede, com a presen­ça de representantes de outras instituições culturais. Ex­cepcionalmente, porém, o GCJN comemorou seu terceiro e quarto aniversários de existência na Escola Comercial Prática Tuiuty, à Av. Guararapes, no Edifício Trianon, salas 412/414, dirigida pela sua dinâmica diretora, Profa. Luziete Silva, a qual era Presidente do Grêmio Cultural Duque de Caxias. Também o segundo aniversário do jornal “Evolução” foi comemorado naquele educandário.
O quinto aniversário do GCJN, foi festivamente co­memorado no Salão Nobre do edifício da Caixa Econô­mica Federal de Pernambuco à avenida Guararapes.

 

Representando o Grêmio Cultural Joaquim Nabuco, fiz muitas palestras em entidades congêneres.

 

 

Palestra na sede da Associação Mafra de Cultura e Atletismo.

 

Neste ano, fiz as minhas duas primeiras poesias.

A minha poesia, nessa época, era romântica, sensual, com laivos de espiritualidade e preocupações filosóficas. E terminou com a publicação do meu primeiro livro de poesia “Os Brinquedos”, em 1954. Encerrava-se, assim, a primeira fase literária de minha vida.

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