1960

Passei no concurso para escriturário do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriário e assumi o cargo em 1º de setembro deste ano, e onde permaneci até 16 de junho de 1963.

Recebi, em 3 de fevereiro, meu diploma de Bacharel em Direito.

Eu e minha esposa Selma fomos conhecer a famosa cartomante Dona Iracema Nunes Pereira, que morava no bairro do Hipódromo. Ela nos revelou corretamente que nós estávamos de mudança para outro bairro, que tínhamos duas filhas e, ainda teríamos um filho que, infelizmente, viria a morrer, o que aconteceu em 1968. O meu filho chamava-se Ulisses.

Eu, meu cunhado Edésio e sua esposa Maria José Lazera Duarte, fizemos algumas reuniões com um médium de efeitos físicos muito conhecido na época, o Sr. Siqueira, que morava à Rua do Peixoto, no bairro de São José. Na primeira sessão na casa do médium conhecido por Siqueira e que fora médium de materialização, o seu guia espiritual o frade Reuter, comunicou-se e, depois de cumprimentar os presentes, dirigiu-se a mim e me informou que, finalmente, me reencontrara. Eu disse que não o conhecia, pois era a primeira vez que eu conhecia o Sr. Siqueira. Reuter, porém, redarguiu que nós nos conhecíamos em vida passada, e, nela, eu fui seu discípulo no mosteiro.

Reuter desempenhou um papel importantíssimo na minha vida espiritual, tendo sido o mentor do nosso grupo, formado por mim, Amílcar Dória Matos, Aécio Campello de Souza, Geraldo Falcão e Walter Wanderley Barros.

Siqueira era um senhor idoso, magro, muito simpático e que, devido a problemas de natureza física, não mais realizava sessões de materialização. Segundo ele nos contou, a sua invalidez física resultou das contínuas e exaustivas reuniões mediúnicas, onde atuava como médium. Apesar disso, ele convenceu Maria José a “desenvolver a sua mediunidade”, desde que tomasse precauções para evitar prejuízos à sua saúde, como acontecera com ele.

Siqueira era uma pessoa de parcos recursos financeiros, e sua casa humilde e pequena, onde morava com a esposa, não era apropriada para sessões de materialização.

O problema foi resolvido, quando Salvador Moscoso, Grão-Mestre da Grande Loja, interessou-se em fazer as sessões no seu casarão, situado na avenida João de Barros, bairro da Encruzilhada. O grupo passou a ser constituído por mim, Edésio, Maria José, Márcio, Sônia, Temístocles, Salvador Moscoso e esposa, Siqueira e esposa. Maria José passou, pela primeira vez, a atuar como “médium de materialização”, supervisionada por Siqueira, cabendo a direção espiritual ao “Espírito”, que se dizia chamar-se João. Nessas reuniões, realizadas no escuro, apenas um fenômeno interessante aconteceu. Em dado momento, cada um dos participantes recebeu uma rosa, jogada para ele especificamente. Mas, quando chegou a minha vez, em vez de rosa, uma Bíblia, que se encontrava sobre a mesa, saltou em minha direção. Não fiquei satisfeito com o “presente” e, quase ao término da reunião, indague a João por que eu não havia recebido uma rosa, como acontecera com os demais. Por intermédio de Siqueira, mediante “incorporação”, ele respondeu de forma contundente: “Não seja ingrato! Nós o presenteamos com uma flor imortal”.

Por motivo do agravamento de sua saúde, Siqueira teve de afastar-se das sessões, que foram, então, suspensas. Passadas algumas semanas, resolvemos transferir as sessões para minha residência à rua Barão de Vera Cruz, 215, bairro de Campo Grande. Agora, o grupo era composto por mim e minha esposa Selma Duarte da Rosa Borges, Edésio, Maria José, Márcio, Sônia e Temístocles. Márcio era comerciante se sua esposa Sónia, trabalha na livraria com o seu cunhado. E, finalmente, Temístocles, o mais velho do grupo, já estava próximo de sua aposentadoria como funcionário público.

As reuniões, como de costume, ocorriam na escuridão e eram dirigidas por João, que passou a “incorporar-se” em Maria José.

Em uma dessas reuniões, a última, vários passos foram ouvidos, circulando a mesa, onde o grupo estava reunido, enquanto a médium se encontrava deitada em um dos quartos da casa.

De repente, um jornal, que se encontrava sobre um móvel, foi arremessado por sobre as nossas cabeças indo chocar-se contra a parede do lado oposto. Selma ficou apavorada com o fenômeno e, de tal maneira, que João determinou que as sessões na minha casa fossem suspensas. Ele alegou que essas manifestações mediúnicas poderiam prejudicar minha esposa, que estava grávida da nossa segunda filha.

O grupo, então, com exceção de Selma, passou a reunir-se na casa de Márcio, que morava à rua José Vasconcelos, 118, bairro do Rosarinho.

Maria José se sentia mal, com náusea e ânsia de vômito antes das sessões. Após as sessões reclamava estar muito cansada e irritada.

O “espírito”, dirigente dos trabalhos, dizia-se chamar-se João. Ele não me forneceu pistas para a sua identificação quando o questionei. Eu não insisti mais sobre o assunto, porque, na verdade, estava mais interessado nos fenómenos.

Havia um clima de confiança entre os participantes e de entusiasmo pelos fenômenos observados.

As sessões começaram na escuridão. Márcio montou uma cabina, na qual ficava Maria José, deitada em um pequeno sofá. A cabina ficava localizada em uma parte da sala de jantar, onde não havia porta e janela. Essa providência não foi tomada por questão de segurança, para evitar a entrada de um hipotético parceiro da médium, mas para impedir que a iluminação externa se filtrasse pelas frinchas de uma porta ou de uma janela, prejudicando a saúde de Maria José.

O grupo ficava em semicírculo, conversando assuntos espirituais e ouvindo músicas clássicas de dois discos de vinil, que tinham o título de “Música à Luz da Oração”.

Todas as sessões se iniciavam às 20,00 horas em ponto, e Maria José, ao entrarmos na sala, se dirigia, de imediato, à cabina. Temístocles dirigia as sessões, conforme o costume espírita. Após a prece do “Caritas” e a leitura de um trecho dos Evangelhos, a luz era apagada e todos ficavam em silêncio, até que João, por intermédio de Maria José, desse a sua comunicação.

Depois da fala do “Espírito”, Temístocles ligava a radiola, que ficava ao lado dele e, a partir daí, começávamos a conversar, ouvindo música, em um ambiente tranquilo e relaxante.

A nossa ansiedade em ver os fenômenos foi, várias vezes, severamente censurada por João, porque, segundo ele, afetava o trabalho mediúnico da “equipe espiritual”. Geralmente às 21,00 horas, as sessões terminavam.

Nas primeiras semanas, após o início das sessões, Maria José produzia ruídos parecidos com vômitos, o que nos deixava apreensivos. Além disso, um forte odor de mofo se espalhava na sala. Mas, ao término dos “trabalhos mediúnicos”, nenhum vestígio de vômito era encontrado na cabina.

Quando os fenômenos começaram a aparecer, esses ruídos assemelhados ao vômito e o desagradável cheiro de mofo cessaram definitivamente.

Seguindo as “instruções espirituais”, a nossa última refeição era feita ao meio-dia. Éramos obrigados a não ingerir bebidas alcoólicas, comer carne, fumar e fazer sexo, vinte quatro horas antes das sessões.

Certa ocasião, Edésio descuidou-se e fumou um cigarro pela manhã, porém ocultou a “transgressão”. À noite, em dado momento da reunião, ele levou uma pancada violenta no peito, que o fez gemer. Era um seixo que lhe fora atirado, com uma precisão invejável, notadamente em um ambiente de escuridão total. Foi, então, que Edésio resolveu confessar ao grupo o seu “delito”.

Ao final de cada sessão, o casal Márcio e Sônia oferecia um lauto jantar para o grupo esfomeado.

Tempos depois, tivemos a permissão de colocar um termostato para regular a luminosidade, quando João assim determinasse. Gradualmente, a luz foi aumentando, até chegar ao ponto em que era possível ver o que acontecia na sala sob a claridade de uma luz vermelha.

Os “raps”, ou pancadas, na escuridão eram violentos. Deslocavam-se pela sala, aconteciam nos mais diversos lugares, exceto dentro da cabina onde se encontrava Maria José

e aumentavam de intensidade, quando nos entusiasmávamos.

João dizia que, quanto mais “vibrássemos”, mais ajudaríamos na produção dos fenômenos, o que, de fato, acontecia. Por isso, nos solicitava que fizemos preces fervorosas para obtermos esse resultado.

Em uma das sessões, Temístocles solicitou a João que pegasse na minha mão. O pedido me surpreendeu e me assustou. Como eu era o único que se encontrava próximo à mesa de refeição, estendi a mão sobre ela e, temeroso, esperei pelo resultado. As pancadas começaram a soar do lado extremo da mesa e gradualmente se aproximava do local onde em colocara minha mão. A pancada mais próxima dos meus dedos me fez estremecer e senti meu sangue esfriar. Algumas pancadas foram desferidas na minha proximidade e, depois, foram se afastando até cessarem de vez.

Ao término da sessão, Temístocles indagou a João se ele havia me tocado. E o “Espírito” enfaticamente respondeu: – “Não! Ele estava com muito medo”. Dura verdade para um pesquisador iniciante.

Enquanto as reuniões aconteciam em plena escuridão, os fenômenos de fotogênese eram deslumbrantes e apareciam nos mais diversos pontos da sala, exceto nas proximidades da cabina. Em várias ocasiões, ocorriam fenômenos de osmogênese, queda acentuada da temperatura ambiental e metafanismo de flores, que caíam do teto e se espalhavam no chão.

Embora raramente, sentíamos cheiro de ozônio na sala.

Queda de temperatura, osmogênese, fotogênese e metafanismo de cravos brancos faziam parte do espetáculo semanal.

As flores “transportadas” caíam do teto e se espalhavam pelo chão.

Certa ocasião, eu e Edésio sentimos uma “presença” em nossa proximidade. Como estávamos no escuro, não sabíamos o que era. De repente, jatos de perfume foram jogados sobre nós, molhando-nos as roupas.

Nesse momento, Edésio começou a pedir, quase chorando, que a “presença” fosse embora.

Protestei contra a atitude do meu cunhado, mas tive de resignar-me quando ele me disse que aquele perfume fora utilizado no corpo de sua mãe, dentro do esquife, por ocasião do velório.

Ao retornar à minha casa, com a roupa impregnada daquele perfume, minha esposa se surpreendeu com o aroma, e me perguntou o que tinha acontecido.

Relatei-lhe o acontecimento e ela, emocionada, confirmou o que dissera o seu irmão.

Em uma das últimas sessões, todos nós vimos um intenso clarão irradiar-se dentro da cabina e, em seguida, uma nuvem luminosa se ergueu até o teto.

De logo, a nuvem condensou-se e uma mão luminosa, abrindo a cortina, apontou para Maria José, deitada no sofá.

A mão acenou para nós com um lenço luminoso e, a pedido de Temístocles, jogou-o em sua direção.

O lenço perdeu a luminosidade quando foi examinado por Temístocles, que, após mostrá-lo a todos os participantes, guardou-o, como lembrança.

Solicitei, então, a João a permissão examinar também a mão, porque me sentia corajoso para enfrentar o fenômeno e porque, ao longo dos meses, me acostumara com ele.

A mão se movimentou em minha direção e eu a segurei. No momento em que a apertei com a mão direita, ela retribuiu o gesto.

Enquanto isso, com a mão esquerda, procurei algo que sustentasse a mão materializada e nada encontrei. A mão materializada era sólida, temperatura normal, do tamanho aproximado da minha. Quando a apalpei, pude sentir a sua estrutura óssea.

Os participantes observavam o acontecimento com espanto e curiosidade, mas ninguém se atreveu a repetir meu gesto.

Quando, intimamente, me questionava se aquela mão era real, ela desvencilhou-se da minha, removeu do bolso de minha camisa um pente marca flamengo, quebrou-o em alguns pedaços e o jogou no chão.

Indaguei-lhe, então, se ela poderia levantar uma pesada mesa de jantar junto a qual eu estava sentado.

A mão não se fez de rogada. Segurou a mesa por um dos lados, e a suspendeu alguns centímetros do solo, sem deslocar o centro de gravidade. Ou seja, a mesa como que flutuou no ar. Em seguida, a mão a soltou o que produziu um tremendo estrondo na sala. Para nossa surpresa, Maria José não despertou de seu transe.

A mão voltou para a cabina e fechou as cortinas. Mas, instantes depois, saiu de lá, agora com um ramalhete de flores e deu-mo de presente.

Então, a voz de João fez ouvir dentro da cabina, dirigindo-se a mim: – “Então, meu irmão curioso, está satisfeito?”

Emocionado, disse que sim.

Ele, em seguida, respondeu enfaticamente: “- Quis lhe dar uma prova científica da sobrevivência.”

Levei o ramalhete para minha casa e as flores murcharam no tempo previsto.

Mesmo que quiséssemos fotografar os fenômenos, a pouca luminosidade não nos permitiria. E nem estávamos interessados nisso. Ademais, pelo que havíamos lido nos livros especializados, a utilização de “flash” não era recomendada, pois afetaria o ectoplasma, prejudicando o médium.

Depois do espetáculo da mão “materializada”, a má vontade de Maria José aumentou, os fenômenos declinaram e, pouco tempo depois, as reuniões terminaram em 1961.                    Mesmo que quiséssemos fotografar os fenômenos, a pouca luminosidade não nos permitiria. E nem estávamos interessados nisso. Ademais, pelo que havíamos lido nos livros especializados, a utilização de “flash” não era recomendada, pois afetaria o ectoplasma, prejudicando o médium. Depois do espetáculo da mão “materializada”, a má vontade de Maria José aumentou, os fenômenos declinaram e, pouco tempo depois, as reuniões terminaram em 1961.                    Pode-se alegar, com razão, que essas experiências não provam nada, porque aconteceram sem qualquer controle ou metodologia científica. Nada tenho a objetar a esse respeito. Na verdade, não tenho o menor interesse de provar a autenticidade da minha experiência e a confiabilidade do meu testemunho. Não me permitiria a paranoia de desconfiar de meus familiares e amigos, que, como eu, apenas queriam deliciar-se com o espetáculo, embora fôssemos advertidos constantemente por João que o objetivo daquelas reuniões era a caridade.                     Tudo o que presenciei, naquele período, se imprimiu vivamente em minha memória e, ainda hoje, sou capaz de lembrar alguns acontecimentos da minha experiência em seus mínimos detalhes.                    Muitos pesquisadores não tiveram a minha sorte. Acalento, ainda, a esperança de que ela se repita. Compreendo e respeito a opinião de quem nunca viu nada e, por isso, não tem obrigação de aceitar o testemunho dos outros. Mas, exerço o direito de não polemizar com ele, porque, para mim, é um desperdício de tempo e, por outro lado, não tenho qualquer interesse de mudar a sua opinião a respeito de um fenômeno tão insólito.

Passei a participar das sessões mediúnicas de Humberto Vasconcelos e sua esposa Joana, filha do famoso médium “Peixotinho” na esperança de que acontecessem fenômenos de materialização, o que, infelizmente, não ocorreram. As sessões eram realizadas no Grupo Espírita Djalma Farias, na Rua Marechal Deodoro, 460, bairro da Encruzilhada.

Em dia que não recordo, meu falecido amigo, Múcio Cévola, através da médium Maria José Lazera Duarte, relatou, com detalhes, o seu último encontro comigo na esquina formada pela Rua do Imperador e a Rua 1°de Março. A médium não o conhecera.

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