1954

O jornal “Evolução” registrava os grandes acontecimentos literários da época. Em seu Número 2, Ano II, Maio-Junho de 1954, comentava o sucesso do lançamento de dois livros em 1953: “O Sobrado na Pai­sagem Recifense”, de Aderbal Jurema e as “Elegias”, de Mauro Mota. E noticiava os futuros lançamentos de livros de Eustórgio Wanderley, Luiz Delgado, Isnar de Moura, Homero do Rego Barros, Carlos Pena Filho, Craveiro Leite e Guerra de Holanda, ressaltando o trabalho das editoras como “Nordeste”, “Região” e “Sagitário”. E en­trevistou também, na Estação Rodoviária, num local de­nominado Rodo-Bar, o folclorista Zé Martins, autor de “Lua Bonita”. A partir deste número, “Evolução” passou a ter uma seção científica a cargo de Mauro Carneiro Assis do Rego.

Alguns exemplares do jornal Evolução.

 

No seu Número 3, Ano II, Agosto-Setembro de 1954, publicou uma entrevista com Abelardo da Hora e noticiou o êxito da 1- Exposição do Atelier Coletivo da Sociedade de Arte Moderna, presidida pelo entrevistado, dela também fazendo parte Wilton de Souza, Wellington Virgolino, Gilvan Samico, Ivan Carneiro, Maria de Jesus, Ladjane Bandeira, José Cláudio e Corbiniano Lins.

No seu Número IV, Ano II, de 15 de novembro a 15 de dezembro de 1954, o jornal “Evolução” publicou uma reportagem que escrevi sobre a Academia Mozart, instituição informal que funcionava, todos os dias, das 15 às 18 horas, na frente da Livraria Mozart, situada na Pra­ça da Independência, no lado oposto do Diário de Per­nambuco. Esta Academia era constituída de intelectuais das mais diversas faixas etárias, destacando-se, entre eles, o seu Presidente, Tenório Cerqueira, então com 83 anos de idade, Mariano Lemos, Luiz do Nascimento, Má­rio Melo, Séve Leite, Milton Souto, Paulo Matos, Adeth Leite, Ernesto Paula Santos, Jaime Griz e Evangelina Maia Cavalcanti. Eu próprio era assíduo frequentador da Academia, cujo Presidente de Honra era o famoso etnó­logo potiguar Luiz da Câmara Cascudo. A partir deste número, Cremilson Soares e Wilton Andrade de Souza assumiram a Direção Artística do jornal “Evolução”. Foi criada a “Secção do Sócio Correspondente” com um trabalho de Julieta Carteado Lopes, de Salvador, Bahia, sob o título de “O Fugitivo”.

 

O jornalista Sócrates Times de Carvalho foi o pri­meiro visitante ilustre que participou da reunião do GCJN, de 15 de maio.

 

No dia 13 de junho, o jornalista e verea­dor Dias da Silva, que, depois se tornaria num dos mais famosos psicólogos de Pernambuco, compareceu ao GCJN, por ocasião da posse de sua nova Diretoria.

 

Em 21 de agosto, foi a vez do escritor Flávio Guerra, conhecido historiador pernambucano e membro da Academia Pernambucana de Letras, compa­recer à reunião do GCJN, e cuja participação consta as­sim registrada pelo Secretário Geral Jarbas de Holanda: “Franqueada a palavra aos visitantes, dela fez uso logo, o Sr. Samuel Gonçalves que nos apresentou o escritor Flávio Guerra, dizendo ainda de suas grandes qualidades intelectuais. Seguindo-o, o ilustre visitante pronunciou um ligeiro discurso onde expressou sua gran­de surpresa ante o movimento literário do “Grêmio Cultu­ral Joaquim Nabuco”. Dos seus arquivos, especialmente para nós, leu um importante trabalho “Sôbre Nabuco”, onde precisava vários acontecimentos, inéditos para muitos, da vida e da obra literária do nosso patrono.”

 

Eustórgio Wanderley doou livros à Biblioteca do GCJN, entre eles o de sua auto­ria “Tipos Populares do Recife Antigo”, a cujo lançamen­to, ocorrido em janeiro deste ano, estive presente junta­mente com Cremilson Soares, representando a nossa instituição.

 

Entre outros visitantes ilustres, se destacaram ainda os professores Samuel Gonçalves, Edson Sales, J.S. da Nóbrega, os jornalistas Rodomarque Viana, Fer­nando Souto Maior, Antônio Brasil, Jomard Muniz de Brito, a atriz Onilda Pereira, o deputado Amaury Pedrosa, a deputada e educadora Maria Elisa Viega de Medeiros, o escritor M.M. da Nóbrega e as professoras Armiragi e Stella Breckenfeld.

 

Estudei no Cursinho Torres, que era dirigido ao vestibular de Direito. Para minha satisfação e alegria, passei em sexto lugar, no vestibular e ingressei na famosa Faculdade de Direito do Recife, hoje Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco.

 

Antes da chegada do filósofo Huberto Rohden ao Recife, o meu amigo Tibério da Silva Rocha, de família espírita, emprestou-me um livro psicografado “Parnaso de Além-Túmulo”, de autoria do médium Francisco Cândido Xavier. Naquela época, estava familiarizado com a literatura brasileira e portuguesa, e foi, com certa má vontade, que aceitei ler o livro, cujo título não me agradava. Passei um longo tempo com o livro fechado, por causa do meu desinteresse por espíritos escritores. Mas, um dia, sem programa para o domingo, comecei a ler o livro pela manhã e o terminei à noite. Estava estupefato: ou aquele médium era um gênio literário, ou havia algo misterioso por trás daquele processo psicográfico. Então, interessei-me pelo assunto e, em breve, me tornei espírita.

 

O meu interesse pelo espiritualismo aumentou este ano, por ocasião da visita de Huberto Rohden ao Grêmio Cultural Joaquim Nabuco.

Por solicitação de um grupo de admiradores do filósofo Huberto Rohden, o GCJN promoveu a sua vinda ao Recife, de 11 a 19 de julho, embora sem assumir qualquer encargo financeiro.

Eu era, então, Presidente do GCJN e me coube a missão de integrar a comissão que recebeu o ilustre filó­sofo no aeroporto dos Guararapes. Rohden era um ho­mem carismático, de um autoritarismo fascinante e hip­notizava a plateia com o seu extraordinário dom da orató­ria.

À noite, no auditório do Sindicato dos Emprega­dos do Comércio, sito à rua da Imperatriz, presidi, orgu­lhoso e emocionado, à reunião de abertura das conferên­cias de Huberto Rohden, o qual foi solene e prolixamente saudado pelo escritor M. M. da Nóbrega. O extenso dis­curso laudatório abalou a serenidade filosófica do confe­rencista, que não escondia a sua impaciência vendo o tempo de sua palestra se esgotar. E, dirigindo-se a mim, comentou: “Este homem está prejudicando a minha conferência”. Fiquei calado e surpreso com a atitude do filósofo.

 

 

 

Jarbas de Holanda observou a influência que Rohden exerceu sobre alguns gremistas:
“Pois à mesma época, para contrabalançar, deu-se no Grêmio uma invasão de ordem tipicamente espiri­tual. Os leitores pernambucanos de Huberto Rohden apareceram por lá e foi aquela discurseira toda dos pala­dinos da outra vida. Dois ou três sábados após envergá­vamos o fardão sagrado do Cristianismo. Não havia, en­tretanto, nenhuma anormalidade nisso. O Grêmio, ape­nas, identificava-se mais com as suas finalidades e mar­cava um de seus maiores tentos. Por fim, de tudo, restou uma considerável influência rohdeana e dois ou três só­cios perfeitamente integrados no movimento.”

 

Tinha razão Jarbas de Holanda: eu mesmo fui um deles. E isto ocasionou uma nova diretriz em minha vida: a preocupação pela filosofia, pelo transcendental, que superou e praticamente extinguiu a minha trajetória literá­ria.

 

Depois de uma das palestras que Huberto Rohden esteve realizando no Recife, ele almoçou em minha casa, que também era sede do Grêmio Cultural Joaquim Nabuco.

Na foto, Huberto Rohden está ladeado pela esquerda por Valter da Rosa Borges, Amnadab de Melo, Raimundo Santos e Agenor Leal da Costa. E, pela direita, por Jarbas de Holanda Pereira, Eros Jorge de Souza e José Marinho de Oliveira.

No dia 8 de setembro, o histo­riador Flávio Guerra escreveu, no Diário da Noite, na Co­luna “A Ronda dos Sete Dias”, um artigo sobre o GCJN, aqui transcrito também na íntegra:

“- Um confrade já escreveu, certa vez, que quan­do alguém passasse pela praça Sérgio Loreto, por de­fronte do número 415, tirasse o chapéu respeitosamente, porque ali se reúne um grupo de moços, muitos ainda até imberbes, que sabe respeitar e amar as coisas da inteli­gência e do Brasil.

E nós diremos mais ainda. Recomendamos que o transeunte tire o chapéu, se concentre e medite, porque estes moços, na modéstia de suas reuniões em ambien­tes simples de móveis singelos, sinceridade dos atuantes respectivos e elegância de discernimentos, estes moços representam a alma pura de uma pátria que ainda pode e deve ser salva.

O sentimento belo de respeito às artes e amor à cultura. O simbolismo da decência e virilidade intelectual de uma nação. E isto partindo em grande maioria de quase meninos, de jovens mal saídos dos bancos ginasi­ais, de moços professores, de modestos comerciários, radiatores, operários, estudantes todos, porém puros, sem mácula, de linhas florescentes no campo cultural da pátria, embora desconhecidos, ansiando por salvação de costumes e desesperando contra a inteligência ofendida, subvertida e humilhada.

São estes moços que compõem o “GRÊMIO CULTURAL JOAQUIM NABUCO”, que ainda nos dão uma esperança no Brasil de amanhã.

Quando estiverdes, amigo leitor, desesperado e sombrio com a nossa degradação de costumes e com o desprezo pelas cousas da inteligência e da cultura, que se nota nêste Brasil, quando estiverdes assim descrente e desiludido ide, amigo, à praça Sérgio Loreto, assisti ali uma reunião aos sábados do “GRÊMIO CULTURAL JOAQUIM NABUCO”. Assisti com emoção e depois nos dizeis se não temos razão em afirmar que ali simbólicamente não se reflete um futuro necessário ao Brasil. Se aqueles moços que ali se reúnem desprezando as futili­dades da vida, o mundanismo e o vazio das perdições hodiernas, entregando-se platonicamente, às coisas da arte e do espírito, da verdade e da inteligência, sem ne­nhum objetivo mercenário, ou intuito grosseiro de mer­cantilismo político, se eles, de fato, não são admiráveis e dignos de referência e registo?

Na vida dos homens modernos as coisas materi­ais continuadamente massacram e extinguem as emo­ções e os direitos da sensibilidade. E para antepor-se a esta materialização grosseira que corrompe e asfixia as sociedades modernas somente levantando-se o anteparo da cultura e da fraternidade, em amor a Deus e às coisas da inteligência.

E isto moldando dentro da sociedade, ao desa­brochar das capacidades e plasmações dos sentidos. Assim como se faz no “GRÊMIO CULTURAL JOAQUIM NABUCO”, onde a mocidade que ali se reúne não sorve a cicuta da perdição, porém bebe o néctar das variações sentimentais das letras, da poesia, das artes para o bem e para o aprimoramento da inteligência.

Vale a pena conhecer-se como “avis rara”, ou corpo estranho de uma sociedade em dias de perdição estes denodados cavaleiros de uma luta sem fim, de uma personalidade desconhecida.”

 

Eu e Flávio Guerra ficamos amigos. Ele era historiador  e me deu de presente, em 27 de abril de 1970, o seu  precioso livro “Velhas Igrejas e Subúrbios Históricos”, sobre o Recife antigo. Flávio Guerra tornou-se membro da Academia Pernambucana de Letras. Em setembro de 1978, Flávio Guerra, convidado por mim, ingressou na Academia Pernambucana  de Ciências, que eu fundara em 8 de janeiro deste ano.

 

Fiz uma palestra na sede da Associação Mafra de Cultura e Atletismo.

No II Salão de Poesias patrocinado pela Associação dos Ex-Alunos da Escola Rui Barbosa, cuja comissão julgadora foi constituída pelos escritores Milton Souto, Paulo Matos, Jaime Griz e Isnar de Moura, fui premiado, mais uma vez, no segundo lugar com o soneto “A Caçada”.

 

A trompa da saudade, bem distante,
Ecoou na floresta da memória.
Era um gemido triste de vitória,
Num grito de derrota, delirante.

A caçada, afinal!… naquele instante
Havia no ar uma visão de glória.
A caçada, afinal!… louca e vibrante…
Ao tempo que fugiu da minha história.

Tropel dos dias… Galopar dos anos…
Sonhos, tristezas, frágeis alegrias,
Juntos no pó dos mesmos desenganos.

E ao longe… ao longe… num gemer plangente,
A soluçar por entre as ramarias,
A trompa da saudade, eternamente…

 

Ao evento concorreram os poetas Everaldo de Holanda (primeiro lugar), José Aurélio de Farias, José Quintino Muniz Pereira, Ivan Lima, e Raimundo dos Santos.

 

Costumava comparecer às sessões da Academia Mozart, instituição informal que funcionava, todos os dias, das 15 às 18 horas, na frente da Livraria Mozart, situada na Pra­ça da Independência, no lado oposto do Diário de Per­nambuco. Esta Academia era constituída de intelectuais das mais diversas faixas etárias, destacando-se, entre eles, o seu Presidente, Tenório Cerqueira, então com 83 anos de idade, Mariano Lemos, Luiz do Nascimento, Má­rio Melo, Séve Leite, Milton Souto, Paulo Matos, Adeth Leite, Ernesto Paula Santos, Jaime Griz e Evangelina Maia Cavalcanti.

O Presidente de Honra da Academia era o famoso etnó­logo potiguar Luiz da Câmara Cascudo.

 

Sempre me orgulhei de ser “moleque” do bairro de São José, onde circulava por suas ruas (Alecrim, Concórdia, Augusta) em companhia dos amigos.

BAIRRO DE SÃO JOSÉ.

Hoje, mais sonho que bairro:
Casas, ruas e praças
Preservadas na memória,
De alguns poucos idosos.

Os bondes passavam lentos.
O tempo passava lento.
A infância e juventude
Pareciam eternas.

As retretas no coreto
Da Praça Sérgio Loreto,
As tubas com seus sons graves
Acompanhando os dobrados
Na morna paz dos domingos.

Na Festa da Mocidade
Girava a Roda Gigante
E tudo em torno girava
Como a roda da vida
E a tontura do tempo.

O medo do Trem Fantasma…

Rua Imperial: os postigos
Eram os olhos atentos
Das casas paredes-meia.
A amizade integral
Dos vizinhos solidários.
Conversas intermináveis
De assuntos repetitivos,
Porém, jamais cansativos.

O Carnaval escoando
Pela Rua da Concórdia.
Confetes e serpentinas, os pecados em sursis,
A carne suando delitos,
O anonimato das máscaras,
Encobrindo as intenções
Das paixões repentinas.

 

Matriz de São José:
As missas e as quermesses,
O sagrado e o profano,
Os pecados confessados
Das tentações recorrentes
De irresitível doçura.

Quando a noite começava
Nas lâmpadas incandescenteso,
O bairro se iluminava
Na luz mortiça dos postes.
Protegia os transeuntes
E boêmios nas madrugadas
Da escuridão e fantasmas
Nas velhas ruas desertas.

Bairro de São José:
Suas ruas e casas
O progresso sequestrou.
Um pouco de tudo ficou
Em escombros na memória.
O resto é assombração.

Tinha razão Mário Quintana:

“Quem disse que eu me mudei?
Não importa que a tenham demolido:
A gente continua morando na velha casa em que nasceu.”
 

Em 3 de julho de 1954, lancei o meu primeiro livro de poesia “Os Brinquedos”, com ilustrações de Wilton de Souza, na sede do Grêmio Cultural Joaquim Nabuco, ou seja, na minha casa.

O livro recebeu críticas elogiosas de Mário Melo, Evangelina Maia Cavalcanti, Milton Souto, Paulo Matos, Durval Men­des, entre outros.

Mário Melo, na sua coluna “Ontem, Hoje e Ama­nhã”, da Folha da Manhã, edição vespertina, de 29 de setembro de 1954, assim se expressou:

 

“Se tivesse nascido há cinquenta anos e alcan­çasse um restinho do romantismo, Válter da Rosa Bor­ges, que agora se estreia com um opúsculo de poesias – “Brinquedos”- entraria logo para a galeria dos poetas.

Tem para isso todas as qualidades, mas a época e o meio o estragaram, de modo que se no seu livro há poesias verdadeiras, com os requintes da Arte, o autor sentiu necessidade de cortejar os que julgam poesia as linhas em que os cânones são escoiceados.

E é pena. Resta a esperança de que, com a matu­ridade, tenha forças para reagir e trilhe somente o bom caminho, deixando as veredas escusas.

Vejamo-lo num soneto extraído da parte boa do livro:

 

Notivagando pela vida inteira

Tentas fugir da luz como vampiro,
Buscando a negra noite em teu retiro,
Na mais completa e lúgubre cegueira.


Buscas achar no teu noturno giro

Restos de amor no corpo da rameira,
Tentando dar ao teu triste suspiro
Toda a expressão de uma ânsia verdadeira.


E nestas rondas, pelas horas mortas,
Vives da Noite, pelas negras portas,
Na tua vida tão vazia e triste.


Inútil vagarás triste e sozinho

E morrerás um dia no caminho

Sem contemplar a luz que nunca viste.

 

Quem sabe moldar um soneto de tal quilate não precisa de cortejar a escola dos incapazes, que justa­mente por lhe faltarem requisitos essenciais, baseados na inspiração e na Arte, é que fingem desprezo pelo que a Poesia tem de mais precioso.”

 

A poetisa Evangelina Maia Cavalcanti escreveu, no Diário de Pernambuco de 26 de setembro de 1954, um artigo intitulado “Um Poeta da Atualidade”:

 

“Valter da Rosa Borges é um jovem de valor in­contestável: seus versos entram em nossa alma como os sentimentos bons, como a inspiração poética, como o amor, como a felicidade… Os seus versos são fluentes e encantadores e tomam conta de nós sem sabermos bem o porque de tal invasão.

É a verdadeira poesia, esta poesia que toma conta do nosso coração. Esta é a sua poesia, Valter.

Tenho a impressão de que você leu muito os grandes mestres e se impregnou a tal ponto dos seus ensinamentos que agora transbordante de boa seiva nos faz presente de “Os Brinquedos”, onde encontramos poesias lindas como: “Menino Pobre”, “A Bilac”, “Ela e a Canção”, “Calvário”, os três sonetos sobre o sono e este com que abre o livro:


“…E me fiz fabricante de brinquedos…
Então usei as tintas coloridas
Das emoções talvez desconhecidas,
Dando aparência e cor aos meus segredos.

“Depois eu fabriquei bonecos raros,
Vestidos das mais ricas fantasias,
Bordados de ilusões, bonecos caros,
Feitos na forma dos felizes dias.

“Também fiz uns brinquedos esquisitos,
Outros feios até, sem forma e cor,
Feitos dos mais íntimos conflitos.

“E embebido que fui nestes folguedos,
Convenci-me, por fim, que era inventor
E me fiz fabricante de brinquedos.”

 

“Os Brinquedos” é o pequenino livro de um poeta de vinte anos! Cheio dos sonhos os mais belos, cheio das ilusões todas que povoam os cérebros juvenis! Eis mais uma amostra para o julgamento dos leitores:


“Tá quente ou frio?
E Maria Respondia:
“Tá quente!”
E eu achava o que ela escondia, de repente.

Era boa a brincadeira do meu tempo de menino.
Mas o Destino
quis brincar de outra maneira.
E escondeu a Felicidade, bem escondida, num lugar ignorado da minha vida.

-Tá quente ou frio?
No entanto,
por mais que assim a procure, por tantos anos a fio,
escuto sempre o Destino a responder implacável:

– Tá frio!

 

Embora a sua inspiração seja de fonte moderna, os seus versos têm boa forma, cadência, inspiração sa­dia.

Valter, o seu livro de estreia é uma confirmação do que você nos poderá dar em futuro bem próximo obras de grande valor.

Não posso furtar-me ao desejo de transcrever para os queridos leitores mais este soneto originalíssimo:


SONETO DO SONO

“Fecha as portas dos olhos para o mundo
E transpõe o palácio das Quimeras.
Aqui reside o Sonho: o que antes eras
Esquecerás de tudo num segundo.

“Aqui não rugem traiçoeiras feras,
Aqui não mora o vício, o charco imundo
Não pesteia o seu hálito iracundo,
Nem polui o frescor das primaveras.

“Cerra bem forte o trinco das pestanas
Para que as hordas das paixões humanas
Que gritam lá de fora, exasperadas,


“Não penetrem jamais em seus salões
Para que assim as tuas ilusões
Não sejam brutalmente assassinadas. ”

 

E mais esta, tão profunda quanto humana, moderna poesia “Balada do Homem Triste”:

“Havia sangue na voz do homem triste,
que morava nas horas do Dia,
numa ponte,
numa escada,
ou nos degraus de uma igreja,
com as mãos cheias de fome
aberta à chuva parca de dinheiro.
Do homem que morava principalmente
nas horas do Dia
e dormia incertamente
nalgum lugar da Noite.
Havia sangue na voz do homem triste
do homem que um dia morrerá
sem saber de que.
Do seu viver, talvez, nem reste o nome,
pois nem nome talvez tenha este homem
que só sabe que vive porque sofre,
pois que a dor é a sua única identidade.”


Gostei sinceramente d’Os Brinquedos”, pois com a sua leitura leve e agradável tive momentos de grande prazer espiritual.

Felicito ao Poeta, agradecendo a sua generosa oferta e aguardando com ansiedade novas mostras do seu espírito privilegiado”.

 

O jornalista Edmundo Morais, em depoimento prestado ao Correio do Povo, no dia 17 de outubro de 1954, sobre o movimento literário de Pernambuco, afir­mou:

 

“Nesse deserto de inteligências, poucos se sal­vam. Na poesia, sem demérito para os demais, quero destacar o Carlos Pena Filho, sem dúvida a nossa mais bela vocação poética. C. Moreira e Cezário de Mélo, em outro estilo, e ainda Mauro Mota completam o quarteto. E só. Entre os novíssimos, apareceu Valter da Rosa Bor­ges, cujo “Os Brinquedos”, recentemente lançado, se constitui numa esperança.

“Nilton Combre, no ensaio, dele muito se pode esperar. Pena que a modéstia tolha os seus passos. E, naturalmente, o pequeno grande Evaldo Cabral de Melo, que nem o amor pelas Vanjas conseguiu embotar sua sensibilidade e seus conhecimentos. Abdias Cabral de Moura Filho, que do ginásio se revelara, é outro que faço questão de destacar. ”

 

O “gremista” Jarbas de Holanda, em artigo sobre a história do GCJN, de 1954 a 1955, teceu, jocosamente, o seguinte comentário so­bre o meu livro:

 

“Cumpre-nos agora registrar um acontecimento sem dúvida significativo – o lançamento do 2º livro de Poesias de componentes do Grêmio, desta vez do presi­dente – “Os Brinquedos”. Nos “comes e bebes” do lança­mento, quando todos, de pés, tinham as mãos ocupadas com os cálices de vinho e biscoitos, um dos oradores, fleumático, concluía seu discurso, nestes termos: “em homenagem ao poeta peço uma rumorosa salva de pal­mas”. Se o amor ao vinho não fosse tão grande fatal­mente ocorreria uma tragédia.

Ainda a respeito de “Os Brinquedos” é bom frisar outro fato interessante. Valter da Rosa Borges recebeu apreciações elogiosas de vários críticos. Houve um, po­rém, contudo, entretanto, todavia, que não gostou do seu livro. Que disse lá umas coisinhas chatas. Ah! foi o bas­tante para o Grêmio reunir-se e em maioria esmagadora, examinando o assunto, resolveu baixar o pau no atrevido e incompetente crítico, saliente-se de meia tigela. Tam­bém, pudera… Quem não quiser barulho com jacaré que tire antes seu corpo d’água. ”

 

Selma começou a trabalhar, como caixa, na Casa Parlophon, na Rua Nova, só deixando o emprego para casar comigo em 1957. Escapou, por sorte, de morrer no desabamento da Loja 2.200, onde costuma lanchar. Assim que ela saiu, o prédio ruiu matando as pessoas que estavam em seu interior. O estabelecimento também se situava na Rua Nova, do lado oposto da Casa Parlophon.

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