1953

Ingressei no Colégio Oswaldo Cruz, onde terminei o meu segundo grau. Ali, fui aluno do professor Moacir de Albuquerque, famoso crítico literário da época. Um dia, timidamente, apresentei-lhe os rascunhos datilografados do livro que pretendia publicar, e intitulado “Os Brinquedos”. Ele leu atentamente as minhas poesias. Depois, olhou-me firmemente, e me disse: “Publique-o!” Foi uma das maiores alegrias da minha vida. Meu primeiro livro tinha a chancela de um grande intelectual.

 

Posse da nova Diretoria do Grêmio Cultural Joaquim Nabuco para o período 1953-1954.


Sentados, da esquerda para a direita: Valter da Rosa Borges (Orador), Nilson Rocha Lins (Secretário Geral), Abílio Gomes Guerra (Presidente), e Djalma Freire Borges (Secretário de Finanças). De pé, da esquerda para a direita: Amílcar Dória Matos (Vice-secretário-Secretário Geral), João Antônio de Vasconcelos (Vice-Presidente) e Dércio Pessoa (Secretário das Relações Exteriores)

 

Em outubro de 1953, na presidência de Abílio Gomes Guerra, veio a lume o primeiro exemplar do jornal “Evolução”, que durou até fevereiro de 1956. A tipografia que imprimiu o primeiro número do “Evolução” cobrou a importância de Cr$ 250,00 (duzentos e cin­quenta cruzeiros) por página para uma edição de 500 exemplares.

 

Anteriormente, uma comissão constituída por mim, João Antônio de Vasconcelos, Tibério da Silva Ro­cha, Abílio Gomes Guerra e Vilma Kruse foi indicada para falar com o governador Agamenon Magalhães com o intento de pleitear a impressão gratuita do “Evolução”, pela Imprensa Oficial, da qual era Diretor João Cleofas. Esta audiência, no entanto, jamais aconteceu.

O primeiro Diretor Geral do “Evolução” foi Tibério da Silva Rocha. O Diretor Comercial, João Antônio de Vasconcelos. E o corpo editorial constituído por mim, Abílio Gomes Guerra e Walter José Dantas. Cremilson Soares foi o criador da logomarca do “Evolução”.

O jornal “Evolução” era vendido nas bancas de revistas e, em nossos passeios pela avenida Guararapes, nos orgulhávamos de vê-lo exposto ao lado do fa­moso “Jornal de Letras”, do Rio de Janeiro.

 

Naquela época, reunia-me com os amigos José Augusto Campelo Ramos, Alírio Moraes de Melo e outros amigos para tocar violão.

 

Para melhorar meu desempenho fui treinar com um dos maiores violonistas de Pernambuco, José do Carmo, e que morava na Rua Cristóvão Colombo, bairro de São José.

 

Tive poucas namoradas em virtude de minha timidez e incapacidade para o galanteio. Elas é que me propunham namoro, por minha falta de iniciativa. Neste ano, Selma, que foi minha última namorada, veio brincar o Carnaval na Associação dos Ex-Alunos da Escola Rui Barbosa e nesse encontro começamos a namorar a meu modo, isso é, sem galanteio. Então, escrevi alguns sonetos para ela, o que nunca fizera para outras namoradas.

Morte do meu pai, Olímpio Sátiro da Rosa Borges. A ele, dediquei um soneto.

 

TRISTE VENTURA

À memória do meu pai, falecido em 20/06/1953

 

Feliz daquele que jamais na vida

Teve um momento de felicidade,

Uma ilusão sequer uma ansiedade.

Que lhe acordassem a alma adormecida.

 

Feliz daquele que na humana lida

Enrijeceu-se na adversidade,

Nem conheceu o espinho da saudade,

Nem lamentou uma ilusão perdida.

 

Feliz daquele que não teve um bem,

Porque se nunca foi feliz, no entanto,

Tão funda magoa não sentiu, também,

 

De conservá-lo tanto, com desvelo

Para depois sofrer o desencanto

Da maior desgraça de perdê-lo.

 

 

No meu aniversário, fui homenageado por meus amigos do Grêmio Cultural Joaquim Nabuco e, deles, recebi o livro “Saga”, de um dos meus escritores favoritos, Érico Veríssimo, e devidamente autografado pelos gremistas Nilson Rocha Lins, Amílcar Dória Matos, João Antônio de Vasconcelos, Dércio Pessoa, José Aurélio Farias, Wilson Vilas-Boas, Agildo Bezerra Guimarães, Walter José Dantas, Jarbas de Holanda Pereira, Lelino Manzela dos Santos, Cremilson Soares, Tibério da Silva Rocha, Abílio Gomes Guerra, Djalma Freire Borges, Eros Jorge de Souza, Wilton Andrade de Souza, Ary Dias Caminha e Ivan Fernandes de Lima, e com os seguintes dizeres:

“Valter

Que fique eternamente gravado em seu coração a lembrança de seus companheiros do Grêmio Cultural Joaquim Nabuco, neste grande dia, em que estamos aqui para desejar-lhe Paz, Saúde e Felicidade.

Recife, 15 de março de 1953

 

Para aumentar, ainda, a minha emoção, o meu querido amigo, José Aurélio Farias me dedicou o soneto abaixo:

NOSSO BRINDE

 (Soneto em homenagem ao querido vate Valter da Rosa Borges, tentando expres­sar o sentimento fraterno de todos os sócios do G.C.J.N. no dia do seu aniversário natalício, 15-3-53.)

 
Num transbordar feliz de raras preces,
Sobe p’ro os céus, em ternas harmonias,
O hino, no dia em que aniversarias,
De nosso peito, que risonho, aqueces.
 
Palpitações solenes de alegrias
Cantando irrompe das passadas messes,
Nesta presente, que co’ardor mereces,
Neste brinde de amor, sem ironias!
 
Tudo cantando em nosso canto, amigo,
Das preces, no banquete da humildade,
A essência te oferece, neste abrigo;
 
Então, sorve das nossas emoções,
O transbordante vinho de amizade
No cálice de nossos corações.
 
14.3.53. JAurélio Farias

Participei do I Salão de Poesias patrocinado pela Associação dos Ex-Alunos da Escola Rui Barbosa, e obtive o segundo lugar, com o soneto “A Mangueira”.

 

Não me perguntes, mas indague àquela
Velha mangueira que nos viu, outrora,
Ambos juntinhos, pela vida em fora,
Ou sob a sombra acolhedora dela,

Que sentimento oculto ela revela
Daquele tempo que se foi embora,
Quando uma vez mais a noite estrela
E o orvalho frio de seus ramos chora.

Indague se ela sente como nós
A saudade das noites que passamos…
(A mangueira também tem sua voz!)

E escutarás, por certo, compassadas
Palavras de saudade, pelos ramos,
Num soluço de folhas agitadas.

 

Também concorreram ao evento os poetas Everaldo de Holanda (primeiro lugar), José Aurélio Farias, e José Quintino Muniz Pereira, tio do gremista Jarbas de Holanda Pereira e assíduo frequentador das reuniões do Grêmio Cultural Joaquim Nabuco, onde lia entusiasticamente os seus belos sonetos.

 

Convencido da imortalidade da alma, fui um intransigente adversário do suicídio.

A UM SUICIDA

Irrefletido, num minuto apenas
Eliminaste o teu viver magoado.
Naquele gesto louco e inesperado
Jogaste à imensidão as tuas penas.

Mas que valeu teu gesto tresloucado?!
Foi de atingir as regiões serenas
Onde o rumor eterno das arenas
Do mundo não se escuta o horrendo brado?!

Que engano enorme! A vida não tem fim.
A Vida é a Morte e a Morte a própria Vida,
Ambas são um todo; uma é de outra, afim!

Foges de uma, mas a outra não te acalma,
Pois a extinção do corpo teu, suicida,
É o holocausto, enfim, da própria alma.

 

A fama do Grêmio Cultural Joaquim Nabuco ultrapassou os limites do Recife. Convidada pela Biblioteca Pública Municipal “Joaquim Nabuco”, de Barreiros, para participar da Semana do Livro, a realizar naquele município, de 1 a 8 de outubro de 1953, a nossa instituição se fez representar pelos gremistas João Antônio de Vasconcelos, Valter da Rosa Borges, Eros Jorge de Souza, Amílcar Dória Matos, Cremilson Soares, Ary Dias Caminha e Ivan Fernandes de Lima, este último o mais velho do grupo e bacharel em Direito.

Antes, porém, da viagem a Barreiros, Dona Nazareth, genitora de Amílcar Dória Matos, me advertiu de que só daria permissão para a ida de seu filho àquela terra distante, se eu me comprometesse a tomar conta dele. Não tive outro jeito senão aceitar a inesperada missão e, assim, Amílcar pôde viajar com a comitiva. Na alegria esfuziante da viagem de ida a Barreiros, compus uma música com os seguintes versos:

A Lua no céu vai casar
e estendeu sobre a Terra
o seu manto de luz – o luar.
As estrelas são flores jogadas
no tapete azul
que conduz para o altar.
E o Sol brilhou o dia inteiro
como despedida
daqueles bons tempos de solteiro.

Além dessa música, compus outras, mas logo me desinteressei em ser compositor. Também desenhei histórias em quadrinhos, mas logo desisti de ser desenhista.

Sob a impressão da viagem a Barreiros, compus o seguinte soneto

AO RECIFE

Nasci à sombra do cimento armado,
Sentindo o cheiro cru do combustível,
Tendo por vida este labor terrível
Que suga o corpo do civilizado.

Nasci, portanto, assim, longe, e afastado
Da Natureza, mas, por ser sensível,
Tentei compô-la em mim, o mais possível,
Tal qual a havia sempre imaginado.

Hoje a conheço, enfim, mas entretanto
Amo-a discreta e moderadamente,
Enfeitiçado pelo seu encanto.

Amo as belezas todas quanto vi,
Mas, todavia, sinto que somente
Amo a cidade inquieta onde nasci.

 

A sra. Odete Santos de Vasconcelos, bibliotecária e organiza­dora do evento, senhora culta e inteligente, genitora de João Antônio de Vasconcelos, hospedou a comitiva em sua residência.

Foto 1 – Amílcar Dória Matos, Ary Dias Caminha, Valter da Rosa Borges, Cremilson Soares e João Antônio de Vasconcelos. Foto 2 – Cremilson Soares, Eros Jorge de Souza, Ivan Fernandes de Lima, Amílcar Dória Matos, Ary Dias Caminha e João Antônio de Vasconcelos.

O GCJN foi saudado, na abertura do evento, pe­los representantes do Núcleo Literário Machado de Assis e a presidência dos trabalhos foi concedida ao Vice-Presidente do Grêmio, João Antônio de Vasconcelos. Um a um, os gremistas foram apresentando seus trabalhos para um auditório entusiasta e constituído, na sua maio­ria, de jovens estudantes.

 

A fama do GCJN começou a crescer, chamando a atenção da imprensa. No dia 21 de maio, o destacado jornalista Andrade Lima publicou, na Folha da Manhã, um artigo elogioso sob o título “Rua Imperial, 415”, a casa onde eu residia e que também era a sede da nossa agremiação.

 “Quando você, leitor, passar por essa rua, descubra-se diante desse número. Por mais preocupado que esteja com os atropelos desta nossa vida cotidiana, não siga indiferente: tire o chapéu, como faz diante de um templo. Porque lá dentro algo se passa que merece o nosso respeito. E mais do que isso, o nosso estímulo.

O 415 da Rua Imperial não é famoso, decerto, como o Dowing Street, 10, onde os fantasmas de Malborough e de Pitt vêm conversar com o velho Churchill so­bre os destinos de um império. Mas, amanhã, quando houver, em relação ao que hoje ali ocorre, aquilo que se chama perspectiva histórica, poderá vir a sê-lo. E então se saberá que por ali passou, em diálogos com os jo­vens, não fantasmas como aqueles, mas a sombra fascinadora de um grande espírito. Porque ali funciona, mo­desto, quase ignorado, mas atuante, o “Grêmio Cultural Joaquim Nabuco”, onde esses jovens, mal saídos das calças curtas, colegiais ainda, adolescentes e imberbes, sonham um lindo sonho de arte e cultura, num assédio juvenil à Pasárgada da inteligência.

Ali compõem ensaios, fazem poemas, desenham, pintam e discutem, em comum, os seus trabalhos, muito sérios e muito compenetrados da decisão que tomaram de conquistar o mundo, às vezes inóspito, das letras e das artes. E o fazem certos de que possuem, mais felizes do que o ansioso e desesperado poeta, a “estreia da ma­nhã”, capaz de iluminar-lhes o caminho e conduzi-los à posse do desejado e merecido futuro. Desejado e mere­cido, repito, porque eles não o desejam apenas: merecem-no também. E o merecem pela seriedade, pela sobriedade, pela profunda convicção com que se entregam às sedutoras tarefas do espírito, de costas voltadas para as solicitações materiais de uma vida cada vez mais ári­da e mais vulgar, como esta nossa.

Esses jovens colegiais, entre os quais podem ser pressentidas vocações de poetas, de escritores e de ar­tistas, estiveram comigo em busca de uma palavra de encorajamento e de estímulo. Mas eles não precisam dessa palavra. Porque já trazem consigo, na tenacidade com que atuam, a vigorosa emulação da própria força criadora, silenciosa, mas fecunda. Pois deles será, se perseverarem, o mundo que está nascendo de suas mãos.

O que é preciso é que Mauro Mota, Esmaragdo Marroquim e Cesário de Melo, suaves ditadores da lite­ratura provinciana, lhes abram as portas dos seus su­plementos. Os hóspedes desse juvenil Hotel Ramboillet, que é o 415 da Rua Imperial, estão sôfregos por esta oportunidade. E eles fazem jus a ela, por que não?”

 

O escritor Eustórgio Wanderley participou de três reuniões do GCJN, lendo monólogos de quadrinhas de sua autoria.

 

Na posse da nova Diretoria do Grêmio Cultural Joaquim Nabuco, fiz o discurso de saudação.


A reencarnação continuou a fazer parte das minhas preocupações existenciais. E, assim, escrevi este soneto:

PERPETUAÇÃO

O nosso amor, enfim, é milenar,
Pois te conheço há muito e esta afeição
Tem o sabor de uma ressurreição,
Antiga como o céu e como o mar.

Conheço o teu carinho remoçado,
Pintura antiga com retoques novos,
E embora traços herdes de outros povos
Conservas todo o ser unificado.

Das formas que tomamos noutras eras.
Não consegues lembrar-te e nem consigo,
Destas reencarnações esferas.

Sei que mudei. Mudaste. Todavia
Existe em nós aquele amor antigo
Que noutros tempos entre nós havia.

 

Previ o aumento populacional do Recife e as suas consequências para a então pacata vida urbana.

POEMA AO RECIFE MODERNO

As ruas comeram progresso
e engordaram.
A cidade, então,
produziu uma geração
de gigantes arranha-céus.
Não mais as ruas raquíticas
e estreitas,
os prédios pessimistas e entediados,
barbados de musgo. ..
A claridade míope dos lampiões…
O ar dorminhoco de colônia…
As ruas, antes pacatas, ficaram faladeiras.
E as artérias se enriqueceram de inúmeros glóbulos
movidos à gasolina.
E o Recife engordou.

Morte do meu pai, Olímpio Sátiro da Rosa Borges. A ele, dediquei um soneto.

 

TRISTE VENTURA

À memória do meu pai, falecido em 20/06/1953

 

Feliz daquele que jamais na vida

Teve um momento de felicidade,

Uma ilusão sequer uma ansiedade.

Que lhe acordassem a alma adormecida.

 

Feliz daquele que na humana lida

Enrijeceu-se na adversidade,

Nem conheceu o espinho da saudade,

Nem lamentou uma ilusão perdida.

 

Feliz daquele que não teve um bem,

Porque se nunca foi feliz, no entanto,

Tão funda magoa não sentiu, também,

 

De conservá-lo tanto, com desvelo

Para depois sofrer o desencanto

Da maior desgraça de perdê-lo.

 

Os obstinados gremistas jamais cede­ram aos apelos das namoradas para faltarem às reuniões do GCJN e lhes fazerem companhia. Aquelas que ousa­damente lançaram o desafio “ou eu ou o Grêmio” perde­ram inapelavelmente a contenda da preferência. O GCJN era, então, a grande paixão de todos nós. Se fosse uma religião, o lema dos gremistas seria: “fora do Grêmio, não há salvação”.

Eros Jorge de Souza foi a única exceção desta regra, pois a sua namorada, Zilda Rousseau Webster, com a qual veio a se casar, fazia parte da comunidade gremista.

 

Qualquer reunião considerada “fraca”, quer sob o ponto de vista da frequência dos sócios, quer do conteú­do dos trabalhos apresentados, era vista como um peri­goso sintoma de decadência da instituição e um atentado ao seu prestígio cultural na província. O verdadeiro gre­mista era aquele que somente em caso de força maior faltava às reuniões do GCJN e regularmente apresentava suas produções literárias e artísticas, zelando sempre pelo alto nível das mesmas.

 

José Aurélio Farias dedicou o seu livro “Pétalas Dispersas” ao Grêmio Cultural Joaquim Nabuco, movido pelo “amor fraterno” àquela instituição. Transcrevo, o primeiro soneto de seu livro, oferecido ao Grêmio.

 

AO GRÊMIO CULTURAL JOAQUIM NABUCO

Qual pura luz que surge dentre as brumas
Para guiar um barco sem roteiro,
Na imensidão, perdido, entre as escumas
Dum mar incerto, negro e traiçoeiro.

As velas brancas, quais formosas plumas,
Desprende o barco ao Ressurgir Primeiro,
Quebrando, sem temores, as escumas
Dum pirata invisível, vil lanceiro.

De júbilo, no barco, os tripulantes,
Aos puros raios dessa luz, risonhos,
Em pleno oceano, sentem-se triunfantes!

Assim, também, surgiu em Pernambuco,
Para o barco guiar dos nossos sonhos,
– O GRÊMIO CULTURAL JOAQUIM NABUCO.

 

 

 

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